Mas afinal o que é a prática?
Como organizadora e criadora de conteúdos para palestras, ‘workshops’ e cursos a questão surge sempre inevitavelmente: que sejam práticos, cheios de dicas finais e concretas que se possam aplicar de forma a sentir rapidamente os seus efeitos.
Fórmulas, receitas, listas, regras e modelos práticos e simples de executar, que não deem muito trabalho. Aqueles métodos secretos e antigos cheios de soluções e chaves essenciais para a vida, que nos mudam num piscar de olhos pondo tudo no seu devido lugar. Pois, se seguirmos a receita na prescrição e dosagem correcta tudo ficará bem, a casa, o casamento, o trabalho e as relações ideais. Não há margem para erro.
Porém, desta forma, também não há aprendizagem. Daquela que vem do diálogo e reciprocidade não mediada, dos olhos grandes de curiosidade enquanto o coração pulsa em reverberação profunda, da prática e experimentação sem medo de errar.
Desde a mais tenra infância que somos aculturados a evitar e recear os erros. Nódoas, incoerências, lapsos e imperfeições que nos fazem carregar culpa e frustração. Desilusões maculadas que as borrachas se encarregam de apagar para que não as tenhamos de ver.
Então, para evitar a desilusão e perda de tempo do erro, procuramos “dicas práticas” prontas a usar e implementar. No entanto, a palavra prática deriva do grego “praktiké”; pelo latim “practicus,a,um”, com o sentido de laborioso. A origem da prática é o incansável esforço, a diligência infatigável. A prática pode ser árdua e fatigante. Dura e pesada. É exigente na sua cadência, presença e observação. A prática nunca foi leve, superficial ou rápida de implementar, daí que a expectativa de perfeição absoluta de “dicas práticas” seja um contrassenso (invisível a muitos). Prática implica ação, realização e concretização num espaço-tempo concreto e específico. Sendo o pólo oposto da teoria, a prática exige pôr as mãos na massa e isso é sempre um movimento contextual, singular, diverso e único para cada um de nós.
Hoje em dia confunde-se a prática contextual e única com a implementação de modelos abstratos e absolutos. No entanto, não há nenhum modelo ou método que se refira à relação pessoal, singular e não mediada com a realidade contextual onde nos encontramos. Essas dicas práticas são sempre abstrações que não têm em conta o contexto real: lugar, tempo, histórias, memórias ou sensações. Todas as dicas que aparentam ser práticas podem não encaixar em nós ou na nossa experiência directa. A experiência directa não mediada é a raiz concreta de toda a prática, então é essencial que as dicas não sejam lidas como dogmas finais ou fechados.
Mas como somos educados a negligenciar o valor regenerativo do erro, queremos respostas finais a todo o custo.
Queremos extrair à força, o sumo, a essência, o tutano, a síntese, mesmo que isso signifique descontextualizar completamente o que estamos a tentar implementar. Esta necessidade visceral extractivista objectifica o saber, negligenciando a arte delicada e rítmica da própria prática. Pois, a prática por complementaridade à teoria apenas opera na realidade, ou seja, num contexto específico.