Soberania através da rendição.
É uma dança antiga, um poderoso e sagrado ritmo do coração.
A soberania desperta a agência primordial, o ser e de liberdade. Incorporando a soberania, estamos habilitados à liberdade de escolha e autodeterminação, podendo decidir o que é melhor a qualquer momento.
Contudo, a feroz independência e autonomia na compreensão moderna da soberania são apenas uma ínfima parte do seu espectro mais completo e antigo. A potência primordial da soberania está também na recuperação da ligação ao ritmo da intimidade profunda e responsável.
Por outro lado, a rendição é sentida como uma derrota nesta narrativa moderna – a perda de poder, a incapacidade de alcançar, o erro da derrocada.
Soberania e rendição podem parecer opostos no olhar reducionista da modernidade, este último um resultado da coerção que força e subjuga o nosso poder intrínseco, o confinamento da dependência.
Mas, se fossem notas da mesma melodia? Ingredientes da mesma receita? Asas da mesma ave?
E se pudéssemos tender para a soberania através da rendição, capitulando em cerimónia? Oferecendo sacrifícios e libações à soberania da rendição.
Porque este objectivo de “estar livre do controlo ou poder do outro” nunca é viver num vazio, separado de tudo o resto, pois estamos sempre em profunda relação na multiplicidade de contextos que nos abraçam; isto é santuário, isto é a própria vida selvagem.
A agência primordial de soberania acordada é misteriosamente interdependente da expansão e contracção da vida. Não é uma posição permanente; em vez disso, um fluxo de curvar-se intencionalmente às sombras sazonais da terra, pois o poder não se trata de controlo ou permanência.
Fluir nas mudanças e saber quando deixar ir, restaurando e recuperando a humildade. Estas duas asas, soberania e rendição, trabalham em conjunto, pulsando e complementando a força dos seus poderosos movimentos.
Ao reclamarmos a soberania, não nos tornamos superiores ou importantes. No entanto, encontramos o lugar da nossa alma, humilde e presente, capaz e responsável, em sintonia com o que é, ouvindo e entregando-nos ao que emerge da terra e da comunidade.
Tornamo-nos guardiões da vida.
[Disclaimer: Todas as palavras e conceitos tecidos no meu trabalho nascem através da minha Vida, naturalmente tendenciosa, e sempre limitada percepção das coisas, não assumindo que carreguem qualquer verdade absoluta. Escrevo a partir de um contexto de baixa intensidade sobre o norte global, em profunda consciência e responsabilidade pelo ecocídio e genocídio continuado pela modernidade.]
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Por Sofia Batalha
Sou ‘designer’ por formação académica, professora por acaso, escritora por necessidade visceral e investigadora independente por curiosidade natural. Sou mamífera, autora, mãe, mulher e tecelã de perguntas. Desajeitada poetiza de prosas sem conhecimentos gramaticais. Peregrina entre paisagens interiores e exteriores, recordando práticas cósmico-ctónicas em presença radical, escuta activa, arte, êxtase e escrita
Autora de nove livros e editora da revista online e gratuita Vento e Água, podcast Re-membrar os Ossos e Conversas D'Além Mar.