Cresci sem histórias

Cresci sem histórias.

Cresci em ambiente urbano, a minha mãe bióloga, o meu pai engenheiro. Seguindo a ciência como o único Deus, as histórias familiares eram sobre tecnologia, factos ou ciência.

 

Cresci sem histórias, pois tudo se reduzia a factos ou fórmulas.

As histórias não passavam de invenções de algo inferior ou imaturo.

 

Havia uma história, no entanto. Uma história fascinante que alimentava a minha mitologia interior. Nas brilhantes noites de verão perto do oceano, o meu pai costumava relatar sobre o universo. Ele contava que antes da luz das estrelas chegar à Terra, a própria estrela poderia ter explodido há milhões de anos, pelo que a luz viajava sozinha pelo cosmos, numa antiga peregrinação de fotões iluminando os céus nocturnos. Esta história cativava-me porque trazia mistério, embora fosse contada pela ciência e por todos os elementos factuais.

O mistério atraia-me, pois não era abundante na narrativa da ciência exacta da minha infância, onde tudo podia ser medido e os sentimentos eram reprimidos até à inexistência invisível. Se soubesse apenas o método ou a especificação certa, seria “bem-sucedida”. Conseguiria compreender a vida.

Os meus pais fizeram o melhor que puderam; no entanto, nasceram numa geração de hiato. Este período encontrou um novo propósito e superioridade intelectual na ciência e na tecnologia, negligenciando as suas histórias ancestrais. Abandonar a terra, pois estava cheia de folclore e crenças tradicionais, que esta era visto como uma categoria de conhecimento inferior – nem sabedoria, apenas engenho de pessoas pobres que deveriam saber melhor. As pessoas fugiram da pobreza e da fome, acreditando que a ciência moderna salvaria o mundo desta dura realidade.

 

Consequentemente, cresci sem histórias.

Sem histórias sobre o oceano ou sobre as profundezas. Sem histórias da terra, das florestas ou das montanhas. Nada falava, nem mesmo os animais. Cresci num vazio de relação profunda com a terra e os antepassados. Despida de pertença. Não havia subtilezas, subjectividades ou fascínio porque tudo podia ser medido e mapeado.

O mundo era muitíssimo objectivo – um lugar morto como cenário para a vida humana.

Um contexto factual que não ouvia o abraço das canções da vida ou ritmos cósmicos.

Não havia diálogo possível porque as respostas esperadas deveriam ser exactas numa linguagem monolítica e apenas humana – uma necessidade tão imatura de validar a visão abstracta do mundo centrada no ser humano, totalmente alheia à riqueza da natureza e às suas abundantes vozes.

A minha família contou-me que uma história é apenas imaginação para crianças pequenas, simples fantasias para ajudar os mais pequenos a dormir. Não há lá nada. As fábulas evitam a própria realidade, pelo que nunca poderiam ser dignas de confiança. Nunca se pode medir uma história ou um mito.

 

Depois passa-se pela vida sem histórias, as que nos ligam, trazendo significado e que nos ajudam a pertencer para além dos factos ou causas. E como consequência, perdemo-nos, caindo na superficialidade monolítica das abstracções factuais – separadas da alma do mundo, e o meu lugar visceral nele.

 

Cresci sem histórias, mas isso fez-me (re)descobri-las ao longo da vida. 

Após o nascimento da minha primeira filha, as histórias começaram a tecer-se dentro de mim. Desta vez, reparei, ouvi, e recordo memórias esquecidas do mistério das coisas invisíveis. Comecei a reconhecer as histórias que cosia dentro de mim quando era criança, principalmente através quando sonhava acordada – aqueles momentos que tive de esconder porque as histórias não eram reais. No entanto, alimentei-as em todo o meu corpo e alma durante os anos, pelo que as histórias floresceram quando me tornei mãe. O significado e o mistério abraçaram-me e alimentaram-me mais uma vez.

Nunca quero mais voltar; nunca mais acomodar o esquecimento, não pretendo voltar silenciar o mundo ou o cosmos.

Porque as histórias estão vivas com o seu próprio padrão e vibração, e não estamos no controlo.

Estamos apenas em diálogo.