Mão-Mapa

Olhe para a sua mão. Cinco dedos móveis ligados a uma palma – ossos, centenas de nervos, dezenas de músculos, tendões, tecidos e pele, unem esta força sensível.

As mãos são capazes tanto de criação como de destruição. Funcionam com subtileza em movimento, dançando ao ritmo da suavidade e da força. Permitem-nos relacionar e interagir com o mundo exterior através do toque. As mãos são estruturas orgânicas de grande complexidade, permitindo a cognição táctil, que são processos neurais que ocorrem fora do cérebro. Ajudam-nos também a compreender o espaço e o tempo.

As mãos são capazes de ver, ouvir e sentir. Desde que nascemos, precisamos de tocar o mundo e fazê-lo principalmente com as nossas mãos. Elas transpiram o tacto nutritivo que nos sustenta.

As nossas mãos são muito mais do que participantes materiais, pois são tecelãs metafísicas de matéria. As mãos estão directamente ligadas ao coração e mantêm a imanência divina em movimento.

Agora imagine que a sua mão não é apenas a sua mão. É um mapa cósmico e uma manifestação antiga de compreensão integrada – um agente sagrado de e para a vida.
Em todo o mundo, existem vestígios arqueológicos de impressões paleolíticas das mãos. Com a sua estreita mente moderna, os arqueólogos ocidentais confundem-nas com assinaturas individuais, projectando as suas próprias visões individualistas do mundo sobre essas antigas impressões. Estas estampas sagradas são mapas comunitários, mapas de terra, mapas de sabedoria, e mapas de histórias dos primeiros habitantes. Estas impressões foram feitas em reverência e cerimónia, deixando um legado simbólico de conhecimento original, pérolas de sabedoria embutidas na paisagem viva em profunda ligação com a sua topografia, estações cíclicas, totens de plantas e animais.
Estas antigas mãos não são apenas capazes de construir ferramentas; são também talismãs de profunda reverência pelo mundo sensível envolvente, um cosmos vivo incrustado nas dimensões de cada dedo. São também mãos guardiãs, cuidando e nutrindo umas para as outras, semeando, acariciando e segurando. Estas mãos também reproduzem e criam ritmos, pulsos, e melodias antigas. Elas sabem cantar.
As mãos armazenam informação. Nas culturas orais, a sabedoria é armazenada na paisagem e no corpo. As mãos, com toda a sua complexidade e funcionalidade, podem ter muitas camadas de informação armazenada. Apenas pressionando uma área específica da palma da mão ou um dedo, podemos recordar e relacionar-nos com ela.
As mãos curam. Na dor, todos nós instintivamente colocamos as nossas mãos no lugar vulnerável, delicada ou firmemente.
Também entrelaçamos os dedos uns com os outros, fazendo parte de uma outra realidade, no amor e na presença infinita.

As nossas mãos incorporam-nos no cosmos, trazendo fluxo à consciência. Elas são e tecem vida em conjunto com os complexos sistemas vivos do mundo.

As mãos trabalham com o legado e a linhagem, co-criando o futuro profundo. Com os seus cinco dedos, são testemunhas do pluriverso e da sua diversidade dinâmica. O seu toque é sagrado.

O que seguras na mão?

[Disclaimer: Todas as palavras e conceitos tecidos no meu trabalho nascem através da minha Vida, naturalmente tendenciosa, e sempre limitada percepção das coisas, não assumindo que carreguem qualquer verdade absoluta. Escrevo a partir de um contexto de baixa intensidade sobre o norte global, em profunda consciência e responsabilidade pelo ecocídio e genocídio continuado pela modernidade.]

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Por Sofia Batalha

Sou ‘designer’ por formação académica, professora por acaso, escritora por necessidade visceral e investigadora independente por curiosidade natural. Sou mamífera, autora, mãe, mulher e tecelã de perguntas. Desajeitada poetiza de prosas sem conhecimentos gramaticais. Peregrina entre paisagens interiores e exteriores, recordando práticas cósmico-ctónicas em presença radical, escuta activa, arte, êxtase e escrita
Autora de nove livros e editora da revista online e gratuita Vento e Água, podcast Re-membrar os Ossos e Conversas D'Além Mar.