O Cedro-Catedral

Tive um sonho em que uma árvore se nomeava e se dava a conhecer.

Apresentou-me ao universo dentro do seu tronco, de como possibilita e sustenta o cosmos interior e exterior.

Mergulhou-me nas suas raízes poderosas e flexíveis, tronco erguido, ramos torcidos, e delicadas folhas sempre verdes.

A sua voz profunda ressoava com a minha alma ao sussurrar, co-criando vida com todas as aves, aranhas, fungos, e insectos que habitam no seu corpo.

Ela traduz as vibrações do ar e do vento em sabedoria. Ela nutre e satura o solo, ligando-se profundamente ao núcleo da terra. Toda a luz do fogo ardente cósmico alimenta a sua presença. Ela emana tudo o que ela é e tudo o que é suposto ser.

Com uma voz trovejante, ela diz-me o seu nome – “Eu sou o Cedro Catedral”. O santuário da própria vida, em toda a sua imanência divina.

Esta não é uma estrutura construída ou isolada; esta é uma engenharia antiga da natureza enredada. Esta catedral não tem paredes que definem o espaço sagrado, pois é o inter-ser que traz a sacralidade, a ligação entre o céu e a terra e tudo entre eles que cria este santuário vivo. O seu espaço muda com as estações que seguem o fluxo da terra, a sua sombra dança todos os dias à volta do seu tronco. A sua presença original é a de tutela através da sua pele, dos seus ciclos e da sua intensidade. Ela entrega-se à vida em cada momento. Ela não poupa nem deixa de ser. Ela derrama a sua sabedoria através de toda a sua teia de relações.

Há muitos anos atrás, escolhi a minha casa por causa da sua presença. Não a conhecia até então, mas senti a sua presença a transbordar no lugar. Ela reconheceu-me desde o início, notando a minha presença como eu notei a dela. Ela escolheu apresentar-se e sou humilde por isso.

Para a ouvir mudo o meu tempo, a corrida e velocidade. Mas nunca a intensidade. Mais devagar, mais devagar. Mais lento até permitir ouvir os ramos a ranger pelo vento e a aranha a subir o seu tronco. Num tempo mais lento e brando que permite sentir o restolhar das penas nas folhas. O Cedro-Catedral é de facto, segundo as categorias humanas que posteriormente verifiquei, um cedro-do-atlântico. Um cedro que vive nas encostas oceânicas, ouvindo as histórias trazidas pelas marés.

O Cedro-Catedral trouxe-me murmúrios do passado e lembranças do futuro, de um tempo longo e profundo.

Relembrou-me da presença humana como guardiã em presença consciente num sistema multidimensional e vivo. Com esta extensão de tempo no coração não somos mais que transições e devires. Sempre de passagem.

Existe um conceito, britânico suponho, que se chama de “Pensamento Catedral” e fala sobre a capacidade de planeamento intergeracional humano, sobre como temos poder cognitivo de lançar a nossa mente para o distante e inominável futuro, preparando terreno e concretizando planos ao longo de gerações. Como exemplo deste super poder, temos no próprio nome, os construtores de catedrais na europa medieval, pela sua capacidade de planeamento ao longo de várias gerações de uma obra de engenharia humana.

Mas o Cedro-Catedral relembra outra perspectiva, a de que este planeamento e cuidado, esta profunda vivência temporal é muito anterior à construção das catedrais. É de facto a génese da nossa espécie, enquanto guardiã dos lugares que ocupa. É a preservação e regeneração para as gerações seguintes. Presente na plantação da Amazónia ao longo de milénios como jardim de alimento, remédio, êxtase e sabedoria. Que ao explorador incauto parece abstracto e “selvagem”.

É a sagrada manutenção da vida, em pertença e presença integral. É o dar mais que tiramos. É a responsabilidade última do nosso propósito.

Então o Cedro-Catedral trouxe, entre muitas outras coisas, a ligação a estes longos espaços temporais, de passado e futuro, ambos tão longínquos e sem nome como tão presentes e reais. Perdemos a ligação aos grandes abismos temporais numa cultura de amnésia temporal, mas isso é matéria para outro artigo.

©SofiaBatalha