O colapso da verdadeira sabedoria na acção desapegada
Somos especialistas na resolução de problemas complexos quando no nosso estado mais selvagem e intuitivo. Despertamos o conhecimento de padrões através do ritmo e das rimas, pois estas são antigas formas de armazenamento e expressão de sabedoria. Hoje, na nossa cultura verbal, classificamos receitas e fórmulas escritas como inamovíveis, fechadas, e rígidas. Verdades absolutas. Para as aplicar bem, temos de seguir cuidadosamente todos os passos, não podemos errar. Na verdade, ao quantificar as acções, seguindo receitas rígidas sobre o que fazer, limitamo-nos ao certo e errado. Mas o conhecimento é uma entidade viva e em constante mudança, e as dicas e receitas podem sempre estar imediatamente desactualizadas no momento de serem escritas.
Cada pessoa que segue uma receita culinária tem resultados mistos (mesmo a mesma pessoa que use a mesma fórmula em momentos diferentes), apesar de medir cada ingrediente com extrema cautela. Mesmo controlando todos os elementos, fogo, tachos, panelas, talheres, pratos, fluxo de ar e luz na cozinha, emoções, relações, estações, ingredientes, e armazenamento. Já estou cansada…
O dogma perigoso da civilização ocidental é o de haver um verdadeiro conhecimento, uma única perspectiva, um anel para os conquistar a todos, uma única mente global, ou “somos um só”.
Esse conjunto de ideias é um caminho unidireccional pavimentado com absolutismo e rodeado de reducionismo. De repente, o contexto das coisas já não importa. É urgente reconhecer que, para ser objectivo, há que ser considerado fora do contexto das coisas, para além do fluxo vital que sustenta tudo. Para sermos objectivos, temos de nos afastar do ciclo natural e da emergência contextual, longe da necessidade real que originou a necessidade de intervenção ou observação. Mas não vivemos em laboratórios. Vivemos em ambientes contaminados pela vida, espontâneos, caóticos, e activos, onde a objectividade fria e distante não é possível.
Trabalho com lugares e pessoas. Ambos contam histórias. Histórias singulares e únicas que tecem a própria vida. É um diálogo antigo.
No entanto, as pessoas pedem-me dicas e receitas de coisas simples que podem mudar no seu espaço doméstico para melhorar a “harmonia”. Seja o que for que isso signifique, pois a harmonia, é esmagadoramente individual, surgindo do próprio contexto. É claro que faço sugestões, principalmente simbólicas. Mas não há receitas, não há recomendações gerais que sirvam a todas as pessoas em todo o lado, sempre. Cada casa é um ecossistema complexo e multifacetado, o que significa que as sugestões devem estar sempre atentas ao contexto real e concreto, lugar, estrutura construída, e singularidades de cada habitante no momento específico da observação. Precisamos de estar e observar, para sentir todas as camadas de vibração e significados que fluem através do lugar. Se dogmatizarmos a resposta, aplicando dicas gerais, ficamos surdos a toda a informação que nos rodeia. Podemos apenas tocar na superfície do que está a ser mostrado, negligenciando os fios invisíveis da consciência à nossa volta. A cura surge a partir das necessidades específicas, da raiz dos desafios enfrentados pelos habitantes.
Normalmente, os clientes ou estudantes ficam frustrados quando sentem que não existem dicas simples para trazer paz às suas vidas. Há, de facto, um absolutismo cultural subliminar e perigoso neste tipo de pensamento (do qual todos fazemos parte), cheio de expectativas de perfeição, tendo direitos para uma boa vida, e um plano de respostas finais e rigorosas, certas e erradas. Mas não há certo ou errado. Há apenas energia. Processos, lacunas, e fluxos. E responsabilidade em acção e co-criação com o que é.
É extremamente redutor superficializar toda a vida, história, memórias, emoções, ou ideias de alguém. É perigosamente anti-ético continuar a negligenciar a agência e o poder do lugar, a paisagem, e o amplo ecossistema sobre o qual a sua casa está construída.
É um enorme desafio de humildade transmutar a nossa perspectiva para que, em vez de seguirmos cegamente dogmas escritos a tinta negra, englobemos a verdadeira energia contextual à nossa volta. Que possamos captar o fluxo de energia em vez de seguirmos cegamente as receitas!