Sinto-me órfã da cultura (ocidental). Por vezes sinto-me sozinha nos sentimentos profundos que fluem através do meu corpo e alma, com todas estas necessidades antigas e viscerais, que não têm para onde ir. Aterrando num vazio esgotado de ligações em vez de beneficiar da orientação e abraço da terra e dos anciãos. Em vez de participar activamente na reciprocidade para o surgimento do equilíbrio mantendo e reparando comunitariamente e humildemente a teia da criação.
Embora eu espere que este sentimento não seja real, todos nós estamos essencialmente interligados.
A cultura em que nasci esqueceu as suas ferramentas transformadoras, experiências e sabedoria para o indivíduo ou para o colectivo. Assim, normalmente, quando procuramos um significado mais profundo, inspiramo-nos e essencialmente aprendemos/roubamos/pedimos emprestado de outras culturas (o que é diferente da experiência da vida real da troca sagrada de sabedoria entre grupos culturais). Retirando o conhecimento do contexto da terra e dos seres sencientes que o compõem, geralmente sem dizer obrigado ou reconhecer as suas origens e achatando a profunda complexidade da sabedoria, procurando sempre verdades absolutas dispostas em listas fáceis de ler.
As pessoas sentem que precisam de agir desta forma por muitas razões (direito, ignorância ou rudeza), mas principalmente devido à fome de metáforas profundamente enraizadas. Mesmo a informação (não necessariamente sábia) disponível hoje em dia na cultura ocidental é fragmentada, normativa, tendenciosa, por vezes superficial, e quase sempre dogmática.
Normalmente, não sustenta nem abraça todas as nuances, paradoxos, fases e diversidade única dos complexos sistemas vivos a que pertencemos.
Esta cultura tem medo. Tem muito medo, é tão temerosa do seu medo profundamente enraizado. Medo da perda, da escassez, da diferença e da morte. Por isso, tenta controlar, subjugar, normalizar, simplificar e cortar ligações que possam trazer o caos à sua ilusão de segurança e controlo puro.
Também vejo muita desta profunda solidão no meu trabalho com outras pessoas. Quando falamos de desafios pessoais, derrotas, perdas, desgostos e tristezas, chegamos sempre à cultura normativa que nos enjaula, confrontando o que nos pede, desafiando o que nos negligencia, como nos fecha, confinando-nos em paredes de exílio sem alma. Do que precisamos de mostrar superficialmente, esquecendo quem somos, apesar da nossa natureza cíclica e das nossas reais necessidades de tutela, ligação, e relação profunda, que forjam a nossa antiga e enraizada responsabilidade de cuidar.
É uma cultura surda que vive na mente, temerosa de ser afrontada pela ambiguidade, paradoxo, diversidade, ou complexidade. Assim, as soluções são geralmente receitas para fazer listas e afirmações positivas superficiais.
A mente domesticada esqueceu o antigo poder do coração, do intestino e do corpo. Esta mente moderna vive e cria esta cultura de pilhagem, muros e cercas, e estritamente do bom ou mau. Esqueceu-se das suas raízes, da sua pertença, da sua abundância e da sua espontaneidade.
Deixou-nos a todos sem fundamentos para nos preocuparmos profundamente com toda a realidade.
(Estas simples palavras falam apenas da violência interior emocional e anímica da cultura ocidental. Embora eu certamente não negue ou anule a violência sistémica intrínseca da cultura ocidental em relação a Outros Povos, culturas, civilizações, e natureza – apenas sem citar alguns -).
©Sofia Batalha