Numa visão original e incorporada, toda a paisagem é um verbo, criação, e acção sagrada. Não há separações, não há objectos. Todos os lugares são um fluxo de consciência sagrada.
Um rio não é uma definição elementar, mas um verbo com a sua modulação, ritmo, sons e salpicos. Uma montanha não é um objecto, mas uma ocorrência, uma emergência da terra a tentar tocar o céu. Uma nuvem não é apenas vapor de água, mas um devir, dispersando os sussurros do vento. Tudo é acção senciente e sabedoria consciente.
Desde há dezassete anos que tenho vindo a incorporar esta realidade através da metafísica que baseia o Feng Shui, pela antiga lente xamânica, numa prática diária. Tem sido uma experiência envolvente que me mudou de dentro para fora, abrindo o meu coração e trazendo-me para casa – a sagrada casa-verbo, não a casa-parede.
Desde o início da minha prática, tenho sentido um paradoxo quando lemos a paisagem através de uma perspectiva de Feng Shui. Será o antigo conhecimento do Feng Shui que traz significado à paisagem ou esse significado tem estado lá sempre presente?
Porque ser uma Montanha, toda a sua acção primordial, não está limitada ou confinada a um método ou perspectiva particular, humana ou para além de humana.
A própria Montanha (rio, árvore ou rocha) é, de facto, a origem do fio de sabedoria que ajudou a tecer essas metafísicas específicas há mais de mil anos, em diversos lugares da terra. Cada um com a sua especificidade e singularidade. Assim, o Feng Shui é apenas uma das traduções humanas da imanência da natureza, pois lê o que já lá está. A maturação desta ambiguidade enriqueceu-me, pois deu-me novas linguagens para contemplar e compreender a realidade.
Tudo se resume à natureza, e ao seu sagrado devir da vida e do ser.
Por isso, há dez anos que trabalho activamente com a linguagem sagrada com clientes e estudantes, usando o poder e a essência dos verbos originais para enriquecer as nossas vidas, trazendo novos significados e abrindo novos caminhos de participação activa no tecido da realidade.
Inevitavelmente, sentindo a terra, alinhei-me com a rica e antiga sabedoria original dos Primeiros Povos em todo o mundo, em toda a sua diversidade, valor intrínseco, histórias, e símbolos.
Mas principalmente, com o seu conhecimento da pertença radical co-criado, que entrelaça a sua acção com o lugar.
Honro e agradeço a todas as culturas vivas que ainda hoje encarnam esta sabedoria antiga. Obrigado por toda a criação, por toda a escuta, paciência, e observação. O mundo precisa de vós, os vossos conhecimentos e as vossas antigas capacidades são essenciais para recriar o futuro para todos. Lamento muito que continuemos a esquecer.
Honro, também, a antiga sabedoria xamânica do lugar a que pertenço. Pois esta velha sabedoria esquecida é a primeira tradução viva da língua da natureza para a cultura humana deste lugar.
Nós, portadores da cultura ocidental contemporânea, precisamos de abrir novos espaços nos fragmentos deixados pelo pensamento redutor e simplista. Precisamos de dissolver categorias, de desaprender, de modo a podermos encontrar novos paradigmas. Só conseguimos activar esta dissolução abrindo-nos a linguagens humanas mais do humanas, da paisagem natural, recordando os tempos antigos em que os animais falavam. Sem esta inclusão, ficamos para sempre enclausurados da acção sagrada.
@sofiabatalha