Ciclicamente, toco o vazio, ou melhor, sou devorada por ele. Digerida pelo vazio pastoso e sempre em movimento do nada eternamente aqui. O vazio é um não-lugar, um verbo de acções mudas, tons cinzentos, cores invisíveis e um pulsar profundo e lento.
Tumtum. Tumtum. Tumtum.
Um verbo de nada do tempo antigo, sempre presente que gesta todas as possibilidades não realizadas, todos os cheiros exilados, membros mutilados e comichões que não podem ser coçadas.
Este fluxo devorador do não-lugar está debaixo dos nossos pés, abrindo cicatrizes nos nossos corações e envolvendo as nossas almas. Está repleto de não-criaturas, sombras texturadas evanescentes, baixios opacos, constelações de medos, galáxias de dor e estrelas de aniquilação. Uma cegueira branca saturada de protocolos porosos improvisados.
Tumtum. Tumtum.
Quando o vazio nos devora, tornamo-nos o próprio vazio. Deixamos de sentir o seu bafo frio no pescoço e passamos a ser o ar gelado, a quietude entre os tempos, o invisível à espreita nos limites. Dissolvemos, liquidificando a identidade, as expectativas e as validações. Não feito. Mergulhamos fora de graça, fora da pele.
Apesar da sua vastidão e do seu infinito e misterioso não-lugar, o vazio está sempre nos cantos. Ali mesmo, naquele canto da tua casa. E ali, na curva da estrada. Debaixo da tua cama. A olhar para ti debaixo da mesa, no fundo do poço, curvado debaixo dos arbustos, debaixo daquela pedra. À espera de deslaçar, à espera que não vejas. À espera que pestanejes. Lamentando silenciosamente, seduzindo-te a não notar a ilusão de formas constantes e finais. O antigo nada vivo acena-nos de volta, trazendo a promessa de desmembramento.
O vazio parece apertado, como se tentássemos aninhar o nosso corpo numa pequena fissura rochosa. Sentindo a sua atração e o seu convite, as suas garras frias à volta do coração, apertamo-nos ali enquanto os fragmentos de rocha cortam a carne.
Empurra.
Mais fundo. Mais fundo.
Enquanto ouves os teus ossos a estilhaçarem-se. Um a um. Crack.Crack. Entretanto, o antigo e lento latejar torna-se mais claro. Tumtum. Tumtum.
Aprisionado pela vastidão do vazio, não consegues respirar. Ofegas por ar. Sufocas para existir.
Crack.
A semente rasga-se.
🌳 Estes vários livros são como vários territórios, lugares diferentes de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.