A ternura do tempo
Tempo sem ternura é violência. Ternura sem tempo é conexão.
O mexer carinhoso do doce, em toda a sua volúpia de cheiros e texturas, a densidade suave e atenção leva-me a esse colo quente e aconchegante de uma ternura que se experimenta na presença e atenção. A ternura de uma vida familiar, antiga, de um colo amplo e nutridor. De mãos calejadas pelo tempo, pelo trabalho, mas cheias de suavidade e gentileza.
Amplas mãos plenas de sabedoria que dedicadamente misturam afectos e memórias na doçura ao lume. Mãos de pele áspera que conhecem a rudeza, a angústia e a carência. Mãos de pele rude que sabem a delicadeza, a abundância e a ternura. Só assim se mexe o doce, numa melódica alquimia de afectos. Os longínquos e os presentes.
A paz vivida em urgência precisa de ternura. De calor e carinho. De presença e atenção. Uma atenção orgânica e sensual, como o doce mexido ritmicamente. Olhamos o tempo num pulsar de expansão e contração, ele perde a sua linearidade, deixa de ser sequencial, medido ou marcado em cadências fixas. Porque o tempo respira, dispersa e colapsa. Cada lugar tem o seu tempo e cada tempo tem o seu lugar, numa conversa única e singular. O ritmo vivo e pulsante do tempo é tão tangível como a textura de uma árvore, das suas suaves folhas ao seu rugoso tronco. O tempo transforma e temos de nos permitir transformar com ele, só assim o sentimos com sentido, só assim não o perdemos. Ele deixa de escorregar entre os dedos e perder-se para sempre.
Conto-vos que o tempo mudou para mim. Circulou, atrasou, baralhou. Para trás e para a frente. Estagnou e avançou. Trouxe-me a um presente diferente. Mais urgente e lúcido.